sexta-feira, agosto 28, 2009

Tênis x Frescobol


Depois de muito meditar sobre o assunto concluí que os casamentos são de dois tipos: há os casamentos do tipo tênis e há os casamentos do tipo frescobol. Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos e terminam sempre mal. Os casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e têm a chance de ter vida longa.

Explico-me. Para começar, uma afirmação de Nietzsche, com a qual concordo inteiramente. Dizia ele: ‘Ao pensar sobre a possibilidade do casamento cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: ‘Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até a sua velhice?\' Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar.’

Xerazade sabia disso. Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da cama são sempre decapitados pela manhã, terminam em separação, pois os prazeres do sexo se esgotam rapidamente, terminam na morte, como no filme O império dos sentidos. Por isso, quando o sexo já estava morto na cama, e o amor não mais se podia dizer através dele, ela o ressuscitava pela magia da palavra: começava uma longa conversa, conversa sem fim, que deveria durar mil e uma noites. O sultão se calava e escutava as suas palavras como se fossem música. A música dos sons ou da palavra - é a sexualidade sob a forma da eternidade: é o amor que ressuscita sempre, depois de morrer. Há os carinhos que se fazem com o corpo e há os carinhos que se fazem com as palavras. E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é ficar repetindo o tempo todo: ‘Eu te amo, eu te amo...’ Barthes advertia: ‘Passada a primeira confissão, ‘eu te amo\' não quer dizer mais nada.’ É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética. Recordo a sabedoria de Adélia Prado: ‘Erótica é a alma.’

O tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário. E a sua derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola. Joga-se tênis para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção do ponto fraco do seu adversário, e é justamente para aí que ele vai dirigir a sua cortada - palavra muito sugestiva, que indica o seu objetivo sádico, que é o de cortar, interromper, derrotar. O prazer do tênis se encontra, portanto, justamente no momento em que o jogo não pode mais continuar porque o adversário foi colocado fora de jogo. Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de outro.

O frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca. Se a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o outro possa pegá-la. Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado. Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando o outro erra - pois o que se deseja é que ninguém erre. O erro de um, no frescobol, é como ejaculação precoce: um acidente lamentável que não deveria ter acontecido, pois o gostoso mesmo é aquele ir e vir, ir e vir, ir e vir... E o que errou pede desculpas; e o que provocou o erro se sente culpado. Mas não tem importância: começa-se de novo este delicioso jogo em que ninguém marca pontos...

A bola: são as nossas fantasias, irrealidades, sonhos sob a forma de palavras. Conversar é ficar batendo sonho pra lá, sonho pra cá...

Mas há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis. Ficam à espera do momento certo para a cortada. Camus anotava no seu diário pequenos fragmentos para os livros que pretendia escrever. Um deles, que se encontra nos Primeiros cadernos, é sobre este jogo de tênis:
‘Cena: o marido, a mulher, a galeria. O primeiro tem valor e gosta de brilhar. A segunda guarda silêncio, mas, com pequenas frases secas, destrói todos os propósitos do caro esposo. Desta forma marca constantemente a sua superioridade. O outro domina-se, mas sofre uma humilhação e é assim que nasce o ódio. Exemplo: com um sorriso: ‘Não se faça mais estúpido do que é, meu amigo\'. A galeria torce e sorri pouco à vontade. Ele cora, aproxima-se dela, beija-lhe a mão suspirando: ‘Tens razão, minha querida\'. A situação está salva e o ódio vai aumentando.’

Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como bolha de sabão... O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento. Aqui, quem ganha sempre perde.

Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser preservado, pois se sabe que, se é sonho, é coisa delicada, do coração. O bom ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços para que as bolhas de sabão do outro voem livres. Bola vai, bola vem - cresce o amor... Ninguém ganha para que os dois ganhem. E se deseja então que o outro viva sempre, eternamente, para que o jogo nunca tenha fim...(Rubem Alves)

quinta-feira, agosto 27, 2009

Respirar



Há várias idagações sobre o momento em que alma une-se definitivamente ao corpo, certa vez li, não vou lembrar agora onde, que seria no momento do nascimento e da primeira busca pelo ar que o ser "une-se" completamente a sua alma. Na concepção judaico-cristã existem construções e evoluções para a alma. Para os cristãos a alma está lá desde a concepção. Deus quando concluí sua obra Adão, que significa àquele que vem do barro vermelho, ou simplesmente barro vermelho, sopra em seus lábios e lhe dá vida, a isto chama-se nefesh. Em minha família estamos passando um ciclo complexo na jornada de meu pai. Ele enfrenta um tratamento cardíaco. Os pais são sempre nossa fonte de expectativa em relação a cuidado e proteção, quando chega um dia no qual precisamos inverter os papéis, a mente requer muita paz e sabedoria para seguir em seu propósito solidário. A esta altura você deve estar se perguntando porque estou relatando este fato. Estou falando disto porque meu pai começou uma oxigenoterapia domiciliar. O coração está com sua potencia muito baixa e não é capaz de levar aos orgãos e principalmente pulmões o ar que necessita para renovar as células. Então, meu pai tão amado, senta-se ou recosta-se na cama e insere seu cateter nas vias aéreas recebendo uma dose puríssima de O2 com pressão suficiente para lhe dar bem estar e mais qualidade de vida. Tudo isto me faz pensar em Deus e o que fazemos do ar que nossos pulmões e coração ainda conseguem trabalhar sem auxílio deste tipo. Tão simples e tão significativo. A alma é o sopro de Deus em nossos pulmões impulsionado por nossos corações apaixonados por este momento inicial de encontro amoroso com o Criador. Imagino meu pai ali no seu ciclo final de vida tentando dizer em um sorriso depois de sua horinha de oxigenoterapia para uma platéia de alunos algumas palavras e acredito que seriam estas... Vão e respirem!

quarta-feira, agosto 26, 2009

O MESTRE DO BOM NOME



Um homem ou uma mulher que realmente seja puro não consegue ver nenhum mal ou injustiça em nenhuma outra pessoa. Também pouco uma alma pura pode escutar algo mau a respeito de qualquer outra pessoa. Nenhum tipo de negatividade ou mal terá lugar na consciência desta pessoa. Portanto, afirma o Mestre do Bom Nome, quando as pessoas vêem erros e malícia, devem saber e compreender, sem nenhuma sombra de dúvida, que elas tem algo daquela natureza má dentro de si próprias. Para que a pessoa que cometeu o erro corrija a si mesma, a pessoa que testemunhou o erro ou propagou o fato deve antes fazer a sua própria correção.

segunda-feira, agosto 24, 2009

William Shakespeare - ROMEU e JULIETA


Cena V
Quarto de Julieta. Entram Romeu e Julieta.


JULIETA — Já vais partir? O dia ainda está longe. Não foi a cotovia, mas apenas o rouxinol que o fundo amedrontado do ouvido te feriu. Todas as noites ele canta nos galhos da romeira. É o rouxinol, amor; crê no que eu digo.
ROMEU — É a cotovia, o arauto da manhã; não foi o rouxinol. Olha, querida, para aquelas estrias invejosas que cortam pelas nuvens do nascente. As candeias da noite se apagaram; sobre a ponta dos pés o alegre dia se põe, no pico das montanhas úmidas. Ou parto, e vivo, ou morrerei, ficando.
JULIETA — Não é do dia aquela claridade, podes acreditar-me. É algum meteoro que o sol exala, para que te sirva de tocheiro esta noite e te ilumine no caminho de Mântua. Assim, espera. Não precisas partir assim tão cedo.
ROMEU — Que importa que me prendam, que me matem? Serei feliz, assim, se assim o quiseres. Direi que aquele ponto acinzentado não é o olho do dia, mas o pálido reflexo do diadema da alta Cíntia, e também que não foi a cotovia, cujas notas a abóbada celeste tão longe ferem sobre nossas frontes. Ficar é para mim grande ventura; partir é dor. Vem logo, morte dura! Julieta quer assim. Não, não é dia.
JULIETA — É dia; foge! A noite se abrevia. Depressa! É a cotovia, sim, que canta desafinada e rouca, discordantes modulações forçando e insuportáveis. Dizem que ela é só fonte de harmonia; não é assim, pois ora nos divide. Há quem diga que o sapo e a cotovia mudam os olhos. Oh! quisera agora que ambos a voz também trocado houvessem, pois ela nos separa e, assim tão cedo, como grito de caça mete medo. Oh vai! A luz aumenta a cada instante.
ROMEU — A luz? A escuridão apavorante.