quinta-feira, dezembro 17, 2009

Para um amigo ausente


Há um certo tempo, não muito, por uma razão que desconheço passei a me relacionar por email com uma pessoa que, como eu , apreciava poesia. Fomos aos poucos trocando reflexões profundas, falávamos sobre a vida e suas manifestações mais prosaicas. Em  nossos sentimentos chegamos a voar em versos. Naquela época, minha situação pessoal era conflituosa, um amor condenado a fatalidade desde seu princípio, uma carga de trabalho impiedosa, vaidades, jogos de poder... Não era eu, mas, uma outra persona minha peleando por objetivos que acreditava serem sinceros. Eram mentiras sinceras, afinal. Mas, este amigo tão doce me trazia um vento suave na face. A brisa serena de um mar calmo. A minha alegria ao receber seus conselhos, suas palavras, foi me tornando dependente daquela "presença". Era falar ao espelho? Era falar com meu eco? Talvez, era apenas falar com alguém que possuia afinidades com minha própria cartografia. Não havia nada de mais alegre no meu dia quando, na caixa postal, encontrava um poema, uma frase, risos imaginados. Não havia julgamentos em nossas conversas, havia apenas simplicidade de um banco de praça como escreveu-me um dia. Mas, algo aconteceu em um momento que muitas cisões e quebras vieram para minha vida. Eu não sustentei um diálogo sobre a morte no qual, meu caro amigo, contava-me sobre o suicídio de uma antiga colega. Houve uma mudança no mar, tornou-se tempestuoso. Não pudemos mais dar continuidade a nossa linda canção estabelecida em muitos diálogos. Eu fiquei muito tempo "out", precisava recuperar-me de muitos cortes. Percebi que ele também precisou provocar um rompimento. Escreveu-me um último email com palavras duras. Eu me entristeci com tantas coisas e, de modo estranho, mesmo diante das turbulências nunca deixei de lembrá-lo. Um caro amigo que como o vento tentei segurar por instantes. "Há perigo na esquina" cantou Elis, a esquina virtual talvez seja tão perigosa quanto a esquina real. Mas, posso dizer que encontrei um belo sentimento de amizade nesta possibilidade a mais do mundo virtual. Concluo com uma frase emprestada que não pude lhe dizer e, agora, sopro ao vento


...faz de conta que ela nao estava chorando por dentro -
pois agora mansamente, embora de olhos secos, o coração estava molhado;
ela saíra agora da voracidade de viver. Clarice lispector