sábado, fevereiro 16, 2008

Vaga-lume

Vaga-lume em vagação
Num vagalhão de sentimentos
Pisca-apaga
Apaga-pisca
Risca na escura noite
Alguma esperança de
criança brincando
fazendo lambança
nem aí se suja a roupa
se arranha o joelho
se o amigo é
João, Maria ou Pedro
Posto que só o chama de amigo
Vaga-vaga-vaga
Vaga-luz
Acende e não se apaga
dentro mim

por Cristiane França

A força da criança é incontestável. Vem com rostinho dengoso, ar desprotegido e vai levando o coração da gente... Assim, sem pedir, sem querer, sem saber... A conexão com a criança nos torna mais serenos porque lembra-nos a fragilidade e o milagre de nossa existência. Quando percebo as crianças sendo afastadas da infância, empobrecidas em seus jogos, imagino: o que estamos pretendendo com isso? Reflito: se não há paciência com as crianças, o que resta para nós adultos?
Cantem para suas crianças, despertem os anjos e adormeçam os demônios!

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Auto-estima e desenvolvimento

A forma como pensamos na educação de nossas crianças envolve um fator importante, a auto-estima. É essencial que nossas crianças sejam percebidas através de suas potencialidades e essas sejam trabalhadas em seu desenvolvimento. As palavras são tão poderosas quanto as atitudes, através da atenção ao que traz a criança em seu repertório linguístico se pode perceber o modo dela estar no mundo. Mas, vale lembrar que perceber exige uma atitude posterior em abrir possibilidades novas para melhoria do desempenho e potencial.
A auto-estima está relacionada com o autoconceito que são os julgamentos sobre si próprio suas habilidades e capacidades (BEE, 1977). Pensar bem de si próprio significa uma auto-estima alta reconhecendo valor em suas habilidades pessoais, transferindo-se respeito e consideração:

Mas, grande parte de seu autoconceito, o grau de auto-estima, é favorecido em sua percepção do que as outras pessoas pensam dela. Por exemplo, uma criança pode ser considerada desajeitada porque ela foi assim chamada ou porque sua ocasional falta de coordenação tem sido excessivamente enfatizada. (BEE, 1977, p.221)

A interação entre emoção e raciocínio na formação do pensamento corrobora para a construção do grau de auto-estima que interfere no desenvolvimento da aprendizagem.
É claro que o desenvolvimento do autoconceito é um importante evento evolutivo O que a criança sabe e acredita que ela seja afetará todas as suas interações com os outros e, por influência o tipo de coisas que a criança irá tentar. O auto-conceito pode ter efeitos bastante amplos sobre o desenvolvimento de novas habilidades. (BEE, 1977, p.221)
Portanto, a interação entre emoção e raciocínio contribuí para a construção da auto-estima que, por sua vez, interfere no desenvolvimento da aprendizagem. Entendendo auto-estima como uma forma pró-ativa perante o mundo que cerca o indivíduo, uma capacidade de impor-se diante de um problema de modo positivo, um olhar de consideração sobre si mesmo, ou simplesmente amor próprio, serão essas experiências positivas pelas quais passa a criança em seu desenvolvimento que lhe trarão a certeza de uma auto-estima preservada.

BEE, Helen. A criança em desenvolvimento. São Paulo: Editora Harbra, 1977.

E. E. Cummings 1894-1962

nalgum lugar em que eu nunca estive, alegremente além de qualquer experiência, teus olhos têm o seu silêncio:no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram, ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto
teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra embora eu tenha me fechado como dedos, nalgum lugar me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre (tocando sutilmente, misteriosamente) a sua primeira rosa
ou se quiseres me ver fechado, eu e minha vida nos fecharemos belamente, de repente, assim como o coração desta flor imagina a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;
nada que eu possa perceber neste universo igual ao poder de tua imensa fragilidade: cuja textura compele-me com a cor de seus continentes, restituindo a morte e o sempre cada vez que respira
(não sei dizer o que há em ti que fecha e abre; só uma parte de mim compreende que a voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas) ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas
( tradução: Augusto de Campos )

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Amor romântico


Vou dar um "pulinho" no amor romântico e postar um poema que ouvi declamado em uma certa ocasião em que participei de curso acerca da poética de Gregório de Matos "O Boca de Inferno". Para minha pasmada ignorância era um poema romântico, assim como outros tantos que escreveu. Sei que lê-lo não trará a beleza daquela declamação que presenciei, mas, de qualquer modo, vale muito redescobrir essas peças raras. Aqui vai:

Anjo no nome, Angélica na cara,
Isso é ser flor, e Anjo juntamente,
Ser Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, senão em vós se uniformara?
Quem veria uma flor, que a não cortara

De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus, o não idolatrara?
Se como Anjo sois dos meus altares,

Fôreis o meu custódio, e minha guarda
Livrara eu de diabólicos azares.
Mas vejo, que tão bela, e tão galharda,

Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

O amor da sabedoria tem falta de amor

A sabedoria deve saber que traz em si uma contradição: é louco viver muito sabiamente. Devemos reconhecer que, na loucura que é o amor, há a sabedoria do amor. O amor da sabedoria - ou filosofia - tem falta de amor. O importante, na vida, é o amor. Com todos os perigos que carrega. Isto não é suficiente. Se o mal de que sofremos e fazemos sofrer é a incompreensão de outrem, a autojustificação, a mentira de si próprio (self-deception), então a via da ética - e é aí que introduzirei a sabedoria - está no esforço de compreensão e não na condenação - no auto-exame que comporta a autocrítica e que se esforça por reconhecer a mentira de si próprio.
Edgar Morin, in 'Pode Haver uma Sabedoria Moderna ? (Conferência)'

Hoje, apenas, gostaria de refletir sobre o amor. Aquilo que nos faz pensar em reconciliar-se conosco mesmos e manter em equilíbrio nossas relações. Aquilo que vai além da vaidade, da visão de lucro e interesse. Há um momento em nossa vida que nos flagramos dessa realidade, não ser tão sábios, tão úteis e tão competentes, apenas nos inclinarmos a frágil condição humana e dirigir a quem realmente precisa um gesto, uma palavra, uma atitude amorosa. Não grandes atitudes, não grandes gestos! Aquilo que nossa realidade permite, aquilo que nossa condição política e social exige. Atitude!

terça-feira, fevereiro 12, 2008

Meu pai, uma pessoa muito sábia, sempre foi um grande leitor. Na minha meninice fui uma ouvinte admirada de suas reflexões, geralmente durante as refeições, quando citava grandes pensadores e filósofos. Uma dessas ocasiões ficou guardada no íntimo como um verdadeiro tesouro. Tratava-se da obra Os Miseráveis de Victor Hugo (1802-1885) e as agruras passadas por seu personagem central Jean Valjean preso por roubar um pão. Comenta meu pai, na época, o quanto é infeliz um homem que não possuí um trabalho para conquistar seu pão. Há uns dias atrás outra reflexão me vem às mãos, agora de Khalil Gibran: "Trabalho é amor tornado visível". Um pouco mais recente, em uma ida ao cinema assistir "Meu nome não é Johnny" (aliás, recomendo), durante seu julgamento, a juíza pergunta ao jovem "Você trabalha em que?" (ou algo muito próximo a isso). A Gazeta do Povo, neste último domingo, publicou uma reportagem excelente (porém triste) sobre jovens e mercado de trabalho. A difícil lida dos jovens em encontrar trabalho e a desistência dos estudos. Comecei a fazer relações, links... Como abordei anteriormente o mito de Hefesto, concluí que isso também se tratava de uma rejeição na formação e orientação dos jovens a uma profissão, ou melhor, trabalho. A possibilidade de ser útil, produtivo, sentir-se respeitado e consequentemente, criar novos valores sociais perpassa pela questão do trabalho. Nosso país, acredito eu, tem continuamente através da mídia invertido valores em nossos jovens. O prazer imediato, possuir acima de ser, leis não cumpridas... Qual orientação seguir? Qual rumos tomar? O que é o trabalho na vida de um jovem das classes mais baixas? Certa de que existem programas de formação, como liceus do ofício, menor aprendiz... Mas, penso na necessidade de despertar valores, descobrir novos pesquisadores, leitores mais ávidos, pessoas que entendam que o trabalho é uma construção social e individual. Além disso, que é através do trabalho que se repensa a condição das cidades, no transporte, na saúde ... O trabalho é central na vida de um homem, deveria ser sua fonte de sobrevivência e dignidade.

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

Livro da Sabedoria

Porque o medo não é outra coisa senão o desamparo da reflexão.
(Livro da Sabedoria, 17,12)

Vínculos

A concepção de pertencimento gera a sensação de vínculo. Estar vinculado significa reconhecer e ser reconhecido por um determinado grupo. Emílio (2005, p 61-69) discute em seu artigo o conceito de vínculo através da mitologia grega:

“A figura mitológica que parece melhor representar o conceito de vínculo é a de Hefesto, o deus coxo, aquele que tem o poder de atar e desatar, o xamã dos nós. Brandão (1995) afirma que, como símbolo, Hefesto parece traduzir uma personagem descompensada. Se por um lado, era deformado, foi desprezado pelo pai e pela mãe (Zeus e Hera), por outro, desposou a mais bela das deusas, Afrodite, uniu-se, também a Cáris, a mais linda das Graças e amou Aglaia, a mais jovem das Cárites. Descrito como artista incomparável, mestre consumado nas artes do fogo e extremamente habilidoso - pois modelou Pandora do limo da terra - quando se sente traído ou desprezado, aparece como um ser amargo e vingativo, pois, entre outras coisas, fabrica um trono de ouro em que aprisiona sua mãe, elabora uma fina teia para ridicularizar Ares e Afrodite, denunciando o adultério da esposa, e acorrenta Prometeu.
(...) Assim como no mito, o vínculo pode significar um laço, uma ligação, mas conter também os nós, o que nos amarra, o que é difícil de desfazer; pode ser um elemento de agregação no grupo, mas funcionar, também, como promotor de cisões, rupturas e exclusões.
Um aspecto que é apontado por Amaral (1991) refere-se ao isolamento de Hefesto, que vive na Terra, diferentemente das demais divindades, que vivem no Olimpo. Podemos pensar inicialmente que a grande questão aqui seria que ele teria que conviver com as suas diferenças, ao se deparar com os demais deuses. No entanto, a convivência em grupo, ao nos colocar em contato com as nossas diferenças, também nos faz conviver com o que há de semelhança, mas aquela à qual não queremos ou podemos reconhecer e diz respeito às nossas limitações, lacunas e imperfeições. Feito Hefesto, buscamos o isolamento para não olharmos para nossos espelhos.” (EMÍLIO, 2005, p 61-65)


O vínculo, como descreve a autora, também traz o reconhecimento das diferenças e a percepções de nossas limitações perante o outro. Nessas três esferas, a familiar, a escolar e a social os conflitos podem surgir a partir dessas percepções, ocasionar crescimento e desenvolvimento ou gerar cisões. Discutir as diferenças em grupo não é tarefa fácil, tornando-se angustiante quando incluímos fatores de risco nessas relações. Pensar nas questões que envolvem riscos, também é pensar sobre educação. São aspectos relacionados, uma conseqüência comum no ropimento de vículos familiares ou sociais, é o rompimento com a escola. A escola reproduz uma cultura vigente, representa suas principais características e valores. Quando tratamos de uma escola que, apesar de muito discutida, não está alcançando seu objetivo maior de gerar uma vida mais feliz promovendo a elevação do nível dos indivíduos intelectual, moral e espiritualmente deixamos expostas nossas limitações como adultos responsáveis em formar uma sociedade melhor. Declinamos em nossa responsabilidade inúmeras vezes, negamos Hefesto como Hera e Zeus o fizaram. A resposta, infelizmente, é o espírito vingativo de Hefesto sobre a rejeição que sofreu. Ele foi traído em seu amor filial, em seu amor de marido (por Afrodite) e sua vigança está justamente centralizada na dor da rejeição. Crianças e jovens, sentem-se tão traídas quanto Hefesto quando sua educação é relegada a uma qualidade baixa. Aliás, nivelamos por baixo a educação quando não se discute concretamente a remuneração do professor (aqui outro momento poderemos discutir). Qual é nosso desejo na construção de humanidade que leve à sério valores, que se sinta reconhecida neles? São justamente esses valores que norteiam os limites, que indicam o grau de agressão e desprezo pela vida. Qual o sentido da manipulação de necessidades inúteis que apenas consomem emocionalmente os jovens. Certamente, existem pensadores e ações sendo realizadas em um movimento para buscar soluções aos problemas atuais. Necessário seria, que pais, sociedade e escola integrassem saberes. Não omitissem suas responsabilidades. Não negassem Hefesto como filho.

EMÍLIO, S. A. . Os vínculos na Inclusão escolar: sobre laços, amarras e nós. Vínculo Revista do NESME, São Paulo, v. 02, n. 02, p. 61-69, 2005.