A concepção de pertencimento gera a sensação de vínculo. Estar vinculado significa reconhecer e ser reconhecido por um determinado grupo. Emílio (2005, p 61-69) discute em seu artigo o conceito de vínculo através da mitologia grega:
“A figura mitológica que parece melhor representar o conceito de vínculo é a de Hefesto, o deus coxo, aquele que tem o poder de atar e desatar, o xamã dos nós. Brandão (1995) afirma que, como símbolo, Hefesto parece traduzir uma personagem descompensada. Se por um lado, era deformado, foi desprezado pelo pai e pela mãe (Zeus e Hera), por outro, desposou a mais bela das deusas, Afrodite, uniu-se, também a Cáris, a mais linda das Graças e amou Aglaia, a mais jovem das Cárites. Descrito como artista incomparável, mestre consumado nas artes do fogo e extremamente habilidoso - pois modelou Pandora do limo da terra - quando se sente traído ou desprezado, aparece como um ser amargo e vingativo, pois, entre outras coisas, fabrica um trono de ouro em que aprisiona sua mãe, elabora uma fina teia para ridicularizar Ares e Afrodite, denunciando o adultério da esposa, e acorrenta Prometeu.
(...) Assim como no mito, o vínculo pode significar um laço, uma ligação, mas conter também os nós, o que nos amarra, o que é difícil de desfazer; pode ser um elemento de agregação no grupo, mas funcionar, também, como promotor de cisões, rupturas e exclusões.
Um aspecto que é apontado por Amaral (1991) refere-se ao isolamento de Hefesto, que vive na Terra, diferentemente das demais divindades, que vivem no Olimpo. Podemos pensar inicialmente que a grande questão aqui seria que ele teria que conviver com as suas diferenças, ao se deparar com os demais deuses. No entanto, a convivência em grupo, ao nos colocar em contato com as nossas diferenças, também nos faz conviver com o que há de semelhança, mas aquela à qual não queremos ou podemos reconhecer e diz respeito às nossas limitações, lacunas e imperfeições. Feito Hefesto, buscamos o isolamento para não olharmos para nossos espelhos.” (EMÍLIO, 2005, p 61-65)
O vínculo, como descreve a autora, também traz o reconhecimento das diferenças e a percepções de nossas limitações perante o outro. Nessas três esferas, a familiar, a escolar e a social os conflitos podem surgir a partir dessas percepções, ocasionar crescimento e desenvolvimento ou gerar cisões. Discutir as diferenças em grupo não é tarefa fácil, tornando-se angustiante quando incluímos fatores de risco nessas relações. Pensar nas questões que envolvem riscos, também é pensar sobre educação. São aspectos relacionados, uma conseqüência comum no ropimento de vículos familiares ou sociais, é o rompimento com a escola. A escola reproduz uma cultura vigente, representa suas principais características e valores. Quando tratamos de uma escola que, apesar de muito discutida, não está alcançando seu objetivo maior de gerar uma vida mais feliz promovendo a elevação do nível dos indivíduos intelectual, moral e espiritualmente deixamos expostas nossas limitações como adultos responsáveis em formar uma sociedade melhor. Declinamos em nossa responsabilidade inúmeras vezes, negamos Hefesto como Hera e Zeus o fizaram. A resposta, infelizmente, é o espírito vingativo de Hefesto sobre a rejeição que sofreu. Ele foi traído em seu amor filial, em seu amor de marido (por Afrodite) e sua vigança está justamente centralizada na dor da rejeição. Crianças e jovens, sentem-se tão traídas quanto Hefesto quando sua educação é relegada a uma qualidade baixa. Aliás, nivelamos por baixo a educação quando não se discute concretamente a remuneração do professor (aqui outro momento poderemos discutir). Qual é nosso desejo na construção de humanidade que leve à sério valores, que se sinta reconhecida neles? São justamente esses valores que norteiam os limites, que indicam o grau de agressão e desprezo pela vida. Qual o sentido da manipulação de necessidades inúteis que apenas consomem emocionalmente os jovens. Certamente, existem pensadores e ações sendo realizadas em um movimento para buscar soluções aos problemas atuais. Necessário seria, que pais, sociedade e escola integrassem saberes. Não omitissem suas responsabilidades. Não negassem Hefesto como filho.
EMÍLIO, S. A. . Os vínculos na Inclusão escolar: sobre laços, amarras e nós. Vínculo Revista do NESME, São Paulo, v. 02, n. 02, p. 61-69, 2005.