sexta-feira, abril 29, 2011


A arte não é, de modo nenhum, necessária. Tudo o que é preciso para tornarmos o mundo mais habitável é o amor.



Isadora Duncan

quinta-feira, abril 28, 2011

Flip: Michael Sledge e o romance sobre Bishop e Lota

O Brasil era apenas uma parada de duas semanas na viagem de volta ao mundo que a poeta Elizabeth Bishop resolveu fazer para espantar os próprios demônios em 1951, mas uma declaração de amor fez com que a estada fosse prolongada e quatorze dias virassem quinze anos. A relação da escritora americana (que morreu em 1979) com a brasileira Lota de Macedo Soares, uma intelectual e arquiteta autodidata a quem o Rio de Janeiro deve a criação do Aterro do Flamengo, trouxe Bishop para o centro da vida cultural e política de um dos períodos mais conturbados da História do país. O casal refugiava-se do tumulto, que Bishop acompanhava como espectadora das empreitadas de Lota, numa casa em Petrópolis. Entre o abrigo na serra e um apartamento no Leme, Bishop, cujo nascimento completou cem anos em fevereiro, escreveu alguns dos mais belos poemas do século XX. Foram as cartas que ela enviou daqui, no entanto, que impeliram o americano Michael Sledge a transformar os anos brasileiros da poeta no romance “The more I owe you” (“Tanto mais lhe devo”, Counterpoint), publicado nos Estados Unidos em maio de 2010. Um dos convidados da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que será realizada de 6 a 10 de julho na cidade fluminense e onde ele lançará a edição brasileira da obra, pela LeYa, Sledge diz que a correspondência revela uma Bishop distinta da atitude reservada e algo distante que ela adotava em público: “Ela é tão aberta, calorosa, confiante e engraçada que você é tomado por seu enlevo com quase tudo que observa. Ela tinha uma inteligência aguda, que não deixava nada passar.” Nessa entrevista ao GLOBO por e-mail, Sledge diz que apesar do final trágico (Lota matou-se em 1967 em Nova York, no apartamento de Bishop, de quem já havia se separado dois anos antes), a relação das duas é uma história de triunfo do amor.

O livro surgiu de um interesse geral por Elizabeth Bishop, ou, mais especificamente, pela relação da poeta com Lota Macedo Soares e o Brasil?
Desde o começo eu estava interessado na vida de Elizabeth Bishop no Brasil. Já admirava e havia estudado seu trabalho, tanto a poesia quanto a prosa, mas o que me fez decidir escrever o romance foi a leitura de sua correspondência. Bishop teve uma vida muito reservada, e foi uma revelação descobrir seu amor por Lota. Eu também me apaixonei por essas mulheres e fiquei profundamente comovido com sua história, que considero — apesar de seus aspectos extremamente trágicos — uma história de triunfo do amor. Conforme conheci melhor Bishop, percebi que ela era uma figura envolvente e complexa. À parte a felicidade que compartilhou com Lota, ela teve uma vida extraordinariamente difícil — ficou órfã muito cedo, lutou contra enfermidades e o alcoolismo — e no entanto não ficou apenas se arrastando pela vida, mas produziu essas belas obras de arte e foi capaz de manter um incrível senso de humor e de humildade, ainda que não fosse uma pessoa fácil de se lidar. Foi essa história que com o tempo assumiu vida própria em minha imaginação — até que senti ser inevitável explorá-la numa ficção.

E o quanto Lota o interessava, como escritor?
Ela é igualmente envolvente, de muitas maneiras. Se minha sensibilidade é talvez mais alinhada com a de Bishop, Lota é a pessoa por quem eu teria ficado completamente envolvido. O fato de que elas estavam juntas num momento tão fascinante em termos de arte e política no Brasil, e na verdade no centro de ambos os mundos, era, para meus objetivos, quase bom demais para ser verdade.

Como você concebeu a presença da voz de Bishop em seu livro? Era algo que você queria limitar aos pensamentos dela, ou estender pelo texto? E quais, em sua opinião, são as características principais dessa voz? 
Mesmo que você comece com uma ideia de como o livro deve ser, ele sempre se transforma organicamente para encontrar seu próprio equilíbrio e uma voz que sirva para ele e para os personagens. Foi o que aconteceu nesse caso. Ao começar achei que o livro seria mais dividido entre as vozes de Bishop e Lota, mas comecei mais e mais a me voltar para a vida interior de Bishop — é aí, pelo menos para mim, que a história está centrada. Muitas pessoas que a conheceram lembram de Bishop como quase patologicamente tímida, ou mesmo antissocial. Seus poemas mantêm essa distância; ela detestava poesia confessional. Então, quando você lê as cartas, é fantástico ouvir uma voz em completo desacordo com a ideia dela como uma pessoa indiferente, ou distante. Ela é tão aberta, calorosa, confiante e engraçada que você é tomado pelo seu enlevo com quase tudo que observa. Ela tinha uma inteligência viva, aguda, que não deixava nada passar. Quando escrevia o livro, estava constantemente consciente da tensão entre esses dois extremos — o eu público contido, aparentemente assustado, e o eu íntimo que ela revelava a alguns poucos amigos, pelo qual Lota se apaixonou, mas que eu só pude conhecer pela imaginação.

A escrita desse livro exigiu algum tipo de pesquisa específica? Você esteve no Brasil?
Sem dúvida, li tudo que pude encontrar — de e sobre Elizabeth Bishop, sobre história e política brasileiras e o modernismo naquela época. Tentei ler o máximo de literatura brasileira possível, embora infelizmente não haja muita coisa disponível em inglês. Principalmente, porém, como disse, mergulhei nas cartas de Bishop, e foi ali, acho, que consegui de fato começar a habitá-la. Além dos livros, que desculpa maravilhosa eu tinha para passar vários meses no Brasil fazendo “pesquisa”. Eu amei, amei todas as pessoas maravilhosas que conheci e que me ajudaram imensamente, e amei mergulhar no mundo da arte e da arquitetura brasileiras que eram tão importantes para Bishop e Lota. Para o livro, quis chegar aí como Bishop chegara, sem muita noção da língua, e perambular por aí, simplesmente recebendo as imagens e os sons. Por já ter passado tanto tempo na América Latina, embora não tivesse estado antes no Brasil, eu talvez estivesse mais preparado do que ela estava. Mas, honestamente, não acho que exista nenhum lugar como o Brasil.

A cartas de Elizabeth Bishop mostram que sua relação com o Brasil era conturbada. Que aspectos da percepção que ela tinha do país você quis explorar no romance?
É verdade que ela é crítica ao Brasil, mas também amava o país em igual medida. O Brasil, apesar das queixas, foi um lugar de enorme produção criativa e felicidade pessoal para ela. Se você examina as críticas, quase sempre estão relacionadas ao que tem acontecido com Lota. Se Lota está feliz — em seu trabalho, ou na construção de sua casa, ou com a situação política atual — então o Brasil é maravilhoso. Se Lota está mal, então o Brasil é horrível. Para mim os aspectos mais interessantes da relação de Bishop com o Brasil são sempre aqueles que afetam sua escrita, seu trabalho, seu amor, sua psicologia. No romance, ao menos, não há observação ou opinião que ela faça sobre o Brasil que não tenha uma base psicológica.

Algumas dessas cartas também mostram que Bishop apoiou (ainda que principalmente de maneira privada) o golpe militar no Brasil. Você diria que esse apoio era simplesmente uma reprodução das opiniões de Lota, ou revela algo de importante sobre a personalidade e a visão de mundo de Bishop?
Não sei se concordo por inteiro que ela tenha de fato apoiado a intervenção militar naquela época, mas suponho que ela, como muitas pessoas, estava desesperada e assustada com o que vinha acontecendo no Brasil e pode ter desejado a imposição da ordem, mesmo que viesse do Exército. Como digo no romance, é em épocas como essa que você descobre seu fascista interno. Passei por situações semelhantes no México, em que as coisas ficam tão ruins que você só quer que pare, quase não liga mais para como. Ela de fato vivia muito próxima a pessoas que estavam totalmente imersas na política, mas não acho que nenhuma das pessoas próximas a Bishop — Lota ou o governador Carlos Lacerda — antecipasse o tipo de consequências políticas que o golpe viria a ter. Lacerda, por exemplo, ainda planejava candidatar-se a presidente, e Lota esperava fazer parte de seu gabinete. Minha impressão é que a visão de mundo de Bishop naqueles dias era muito definida pelo que acontecia em sua casa — ela achava que o Brasil estava enlouquecendo Lota, e queria que isso parasse de qualquer maneira.

Existe algo de particularmente intimidador em tomar um escritor como personagem ficcional? Você em algum momento sentiu-se inseguro ou hesitante a respeito do que estava fazendo?
Diria que só me senti inseguro e hesitante do momento em que comecei a escrever o livro até agora. Ela não é simplesmente uma escritora, é Elizabeth Bishop! É icônica, e muitos autores me falaram do quanto ela foi importante para que eles se desenvolvessem, então de fato parecia mais do que um pouco presunçoso tomá-la como personagem ficcional. Provavelmente por isso decidi me manter muito mais próximo dela levando sua vida diária do que de seu desenvolvimento como escritora. Um livro como “The master”, de Colm Tóibín, sobre Henry James, consegue fazer ambas as coisas, mas eu sempre mantive meu livro centrado nas duas mulheres. O outro problema é que escritores em geral levam vidas muito chatas, já que passamos a maior parte do tempo sozinhos num quarto, então tecnicamente falando não é fácil criar uma narrativa envolvente. Nesse caso, porém, podia sempre contar com a Lota para animar as coisas.

Escrever esse livro mudou algo na sua opinião sobre Elizabeth Bishop?
Uma coisa muito estranha aconteceu enquanto eu escrevia o romance. Descobri que minha vida começou a acompanhar a da protagonista. Como Elizabeth Bishop, me vi morando numa parte isolada da América Latina, numa casa em construção, sem janelas ou portas. Também como Elizabeth Bishop, me vi dividindo essa vida com um latinoamericano incrivelmente criativo, enérgico e louco (no melhor sentido possível). Gosto de pensar que enquanto eu escrevia ela estava me dizendo algo, entrando em minha imaginação para me ajudar a entendê-la melhor. Sou muito grato a Elizabeth Bishop, que faria cem anos em 2011, e a Lota, essas duas verdadeiras forças da natureza por me atrair tão profundamente, de tantas maneiras, para seu belo mundo. Posso esperar apenas que o que escrevi lhes faça um pouco de justiça.

quarta-feira, abril 27, 2011

Uma filha sente saudades de seu pai. Uma mãe ama sua criança com desvelo. Uma mulher procura ser amiga de seu esposo. Uma pessoa deseja ser útil aos outro. Somente amor, somente amor. Nada mais sei além desta energia pulsante em minha psique. Quando percebo que não está presente, sutilmente me apresento. Se não me recebem, invisível me despeço. Aprendi nesta humilde caminhada, que nada mais me pertence.